NÃO invalide ou silencie sentimentos considerados “ruins”

Vamos começar tirando o elefante da sala: não existem sentimentos ruins.

Tristeza, desânimo, aflição, medo, ansiedade, desilusão, melancolia, raiva, nojo, angústia, inveja e tantos outros sentimentos tidos como “ruins” são apenas sentimentos - assim como aqueles que frequentemente são considerados "bons". Portanto, como qualquer outro sentimento, são passageiros e não um estado constante.

Vivê-los e compreendê-los faz parte da vida (e definitivamente não indicam desprezo ou desilusão com ela).

O felizes para sempre, o american way of life, o self-made man, a meritocracia, a positividade tóxica e todo o romantismo sobre como se vive uma vida plena, nada mais são do que ferramentas de dominação e manutenção do sistema de corrida de ratos.

Porque, novamente, não existe plenitude, mas também porque sentimentos considerados “ruins” são estopins para revoltas.

(pois é, se ainda não se deu conta em pleno 2023, saiba que tudo é política).

Seres humanos são complexos.

Além de questões psicológicas, eventos inesperados, balanço químico do nosso corpo e tantos outros fatores, o próprio ato de relacionar-se com pessoas únicas e tão complexas quanto nós mesmos é o suficiente para mudar nosso intervalo de estados considerado “normal”.

(e não se enganem: somos seres sociáveis, por mais que você não goste de interagir).

Por gerações fomos ensinados a silenciar, esconder, engolir, mascarar e fingir anormalidade dos sentimentos considerados “ruins”, enquanto sentimentos considerados “bons” são exaltados, devem ser buscados, almejados, vividos e experienciados em toda sua plenitude.

Não aceitamos coisas "ruins" porque, no fundo, temos medo de que nós mesmos possamos passar por coisas consideradas “inadequadas” e, por também termos sido silenciados, não sabemos como lidar.

Por mais que "não haja intenção" (sic), coisas como “vai passar”, “não fica assim”, “poderia ser pior”, “isso não é nada demais”, e tantos outros clichês, na verdade são uma violência

tão grande quanto a criação e doutrinação que nos fez acreditar que sentimentos podem ser “ruins” e que eles não devem acontecer em hipótese alguma. Ou ainda que, caso aconteçam, não podem ser transparecidos ou vivenciados.

➜ SE LIGA: “eu não gosto de te ver assim” além de invalidar o sentimento, muda completamente o foco da questão. Não é sobre você. O mesmo ocorre quando você, insistentemente, quer que a outra pessoa se abra contigo - desrespeitando a vontade dela.

Precisamos olhar com mais carinho para nós mesmos e, consequentemente, para o outro.

Compreender que a vida é impermanência e que sentimentos considerados “ruins” são tão importantes quanto os ditos “bons”, permitindo que tudo seja vivenciado na mesma intensidade e que as pessoas possam, enfim, entender o que estão sentindo e vivendo.

Pois quando silenciamos um sentimento considerado “ruim”, estamos ignorando a causa, aumentando um trauma e colocando pra baixo do tapete questões importantes que irão favorecer alguém ou alguma situação que se beneficie disso.

Validar não significa solucionar.

Você não tem a obrigação de mudar o estado da outra pessoa (até porque isso só pode ser feito por ela mesma), e apenas profissionais qualificados possuem as ferramentas necessárias para ajudar essa pessoa a chegar na sua própria solução.

Na dúvida, ofereça escuta, empatia, ou até mesmo o silêncio, mas não invalide, silencie, nem traga ainda mais combustível para uma situação da qual você não sabe como lidar. Assim como usar o extintor inadequado para uma determinada classe de fogo, a “ajuda” errada, por muitas vezes, só piora a situação.

Externalizar esses sentimentos faz parte dos processos de autoanálise, autoaceitação e autocompaixão, necessários para lidar com as situações e desenvolver-se emocionalmente, por isso é tão importante permitir que as pessoas sintam e vivenciem seus sentimentos sem questioná-los, invalidá-los ou silenciá-los.

Parece básico, mas não custa lembrar: não diagnostique outra pessoa se você não é um profissional capacitado e qualificado para tal e (muita atenção para esse "e") responsável pelo acompanhamento desse indivíduo.

Espero, verdadeiramente, que minhas palavras aqui não sejam distorcidas, esvaziadas, generalizadas, tratadas com insensatez, tão pouco leviandade… Eu acredito e confio que leitura, compreensão, interpretação de texto e discernimento serão usados por quem for atingido por essa mensagem.

Lembrem-se que por trás dessa gélida tela também há uma pessoa.

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Um dos exercícios criativos que eu mantenho com certa regularidade são as chamadas “Páginas Matinais” propostas por Julia Cameron no livro “O caminho do artista”, que consiste em escrever ao menos 3 páginas todos os dias, sobre qualquer assunto, ignorando qualquer estímulo interno ou externo (incluindo erros ortográficos e/ou linguísticos).

Como uma pessoa que vive de e para a arte, é muito comum que isso traga ideias para o meu trabalho, hobby ou apenas para colocar ideias no mundo.

Como dito em “O ato criativo” de Rick Rubin: somos antenas prontas a captar as ideias que navegam pelo universo, basta estarmos “abertos” para receber esse sinal. Grande parte das boas ideias é mostrada a nós, pelo acaso, em sinais que acabam se misturando no nosso cotidiano. Buscar esses sinais e dar uma chance a eles faz parte do trabalho do criativo original.

Ontem, durante as páginas matinais, me veio um ímpeto de escrever uma poesia reflexiva.

As palavras invadiram minha mente praticamente já em suas posições. Claro que não é a melhor poesia do mundo, mas eu venho exercitando a aceitação, o imperfeccionismo, a impermanência e a liberdade que a possibilidade de voltar e revisitar obras no futuro trás (coisas que tem ajudado no processo criativo também).

É como se aquela mensagem estivesse vagando e procurando um lugar para ganhar o mundo… Eu apenas cedi e dei voz.

A arte está cheia de sentimentos considerados “ruins”: pinturas, livros, esculturas, exposições, peças, danças, poesias, tv, cinema, e demais manifestações culturais, mas, por vezes, vemos a cultura com distanciamento.

Tudo bem curtir uma música triste, uma pintura melancólica, ou até mesmo assistir Divertida Mente (2015) e empatizar com sentimentos considerados “ruins”. Mas se alguém demonstrar esses sentimentos na "vida real"…

Resolvi dar esse contexto, pois recebi muitas mensagens de pessoas preocupadas que houvesse algo errado comigo. Caso não tenham percebido ainda, há uma mensagem de esperança na poesia! Por isso é importante analisar a obra como um todo, assim como escutar as pessoas plenamente e com atenção antes de trazer julgamentos, questionamentos, conselhos ou problematizações durante suas falas.

Publicação original no Instagram (@tilima)

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