Estabelecer limites é incômodo não só para quem os está traçando, mas também para quem os está ultrapassando.
Calma, esse texto não é uma passada de pano. Vocês já sabem como funciona por aqui 😉
Temos muita dificuldade para traçar limites - em especial com pessoas próximas como família, amigos e afetos - porque podemos levar um tempo até entender que algumas falas e atitudes daqueles que amamos estão nos ferindo.
Quem foi criado para não brigar ou incomodar em nenhuma hipótese, ou teve seus sentimentos silenciados e invisibilizados, vai ter ainda mais dificuldade para verbalizar quais são os seus limites. Afinal de contas, conversas difíceis são difíceis (ora, quem imaginaria?) e nem sempre são bem recebidas.
Não por menos é provável que quem tenha seus limites ultrapassados sem ter conseguido verbalizar tente contornar a situação de outras formas como: se afastando, mudando o foco da conversa, ou mesmo internalizando a situação como se o problema fosse com ela.
Mas uma hora essa dor vira o sódio metálico que cai em um copo d’água já cheio e, ao invés de apenas transbordar e molhar o papel, ela causa uma reação instantânea que explode e machuca todo mundo.
Catando os caquinhos, a gente tem que lidar não apenas com a dor de ter nossos limites ultrapassados, mas também de ter nos deixado passar por tudo isso, não ter estabelecido e verbalizado os limites anteriormente, além das consequências da explosão.
Isso sem falar de um possível “mas por que você não falou antes?”, como se todas as barreiras que impediram isso de acontecer simplesmente não existissem.
Mas ninguém é só vítima ou só vilão em todas as histórias, né?
E sê-lo em uma história não te coloca - obrigatoriamente - nessa situação em todas as demais.
Quando estamos do outro lado da situação e alguém estabelece algum limite com a gente, também é natural que esse limite nos cause um incômodo, uma vez que é provável que nossa fala ou ação seja bem intencionada.
Do nosso ponto de vista, claro.
E perceber que algo que fazemos ou falamos causa uma dor em alguém que amamos é super complexo. Causa confusão, incertezas, às vezes até angústias e culpa.
Mas, em relações saudáveis, a gente respeita o limite imposto e trata essas questões conosco (e, se precisar, com um profissional).
Não é raro que, quando existe hierarquia numa relação - em especial quando se vive relações hierarquizadas (a diferença é um longo papo pra depois) - por mais que haja carinho, afeto ou cuidado; essa relação acabe tendo vieses utilitaristas.
Quando vemos a outra pessoa como um objeto (mesmo que involuntariamente), tendemos a esquecer a complexidade que envolve cada ser humano e seu viver/relacionar.
Isso pode ocorrer mesmo com quem já está num caminho de autoconhecimento, consegue compreender as suas próprias complexidades e como isso interfere em suas relações.
Esse descolamento da ideia de que o outro também é um indivíduo pode nos fazer não perceber que estamos ferindo alguém.
Quando esse sujeito, então, traz à tona sua dor diante de nossas falas ou ações, é como se esse véu fosse rompido e, tal qual no conto dinamarquês “A Roupa Nova do Rei”, nos damos conta que estamos nus.
Em especial para quem busca cessar o sofrimento, não é fácil aceitar que nós mesmos podemos ser os agentes causadores desse sofrimento.
“Ora, como poderia eu, a pessoa que está apenas pensando no seu bem [no que eu acredito que seja o melhor pra você, na verdade], fazê-lo mal algum?”.
Exatamente por ignorar a humanidade do outro, acreditamos que nós sabemos o que é bom ou mal para o outro, o que fere e o que não fere, o que quer-se ou deve-se falar, como agir, o que fazer, onde investir, com quem se relacionar, quanto pesar, o que escrever, o que vestir, como sentir, como ou com quem se relacionar, e todas as demais complexidades de uma vida.
Ao nos vermos nesse papel de algoz, ainda que momentâneo, entramos em desespero… E dá-lhe incômodo.
É pra incomodar mesmo!
Limites, sejam os nossos ou os impostos à nós, são necessários para construirmos relações saudáveis e mais horizontais, além de nos lembrar que todos somos igualmente humanos.