A data que celebra o dia internacional das mulheres, tal qual qualquer outra luta histórica do proletariado, foi cooptada pelo capitalismo e romantizada, para que seu sentido fosse esvaziado e desse lugar a mais uma oportunidade de consumo e disseminação de ideias que conservam o sistema da forma como é: opressor.
No dia 08 de março de 1917, mulheres tecelãs e mulheres familiares de soldados do exército marcharam sobre as ruas de Petrogrado (atual São Petesburgo) com cartazes que diziam “Pão para os nossos filhos!” e “Retorno de nossos maridos das trincheiras!”, e ordenando “Abaixem suas baionetas e juntem-se a nós” - naquele momento ocorria a Primeira Guerra Mundial, em que fome, miséria e morte foram os únicos resultados colhidos.
Esse movimento espontâneo e cheio de consciência de classe - que não só não conseguiu ser reprimido, como também foi, aos poucos, apoiado pelos soldados - resultou em uma greve geral que paralisou toda a cidade e se espalhou pelo país. Fez recriar os sovietes (conselhos) de operários e soldados, e foi a força motriz que impulsionou a Revolução Russa - que daria fim ao Czarismo e ao absolutismo.
Após inúmeras outras greves, protestos e embates políticos, ainda em julho de 1917 as mulheres russas conquistaram o direito ao voto. Mas isso ainda era pouco perto do que seria alcançado com a mudança estrutural sistêmica, que traria igualdade de direitos em constituição - o que ocorreria em outubro daquele ano com a tomada do poder pelos Bolcheviques (que tinham entre suas lideranças Kollontai, Krupskaia, Armand, Konkordiia Samoilova, Vera Slutskaia, entre outras) durante a Grande Revolução Socialista.
Dentre os direitos conquistados estão, mas não se limitam a: substituição do casamento pelo registro civil; divórcio a pedido de qualquer parte sem necessidade de qualquer razão; abolição do controle religioso; direito das mulheres sobre seu próprio dinheiro; independência de bens entre parceiros; erradicação da ilegitimidade (se não se sabia quem era o pai, todos os parceiros sexuais anteriores eram coletivamente responsabilizados); legalização do aborto mediante solicitação (a Rússia foi o primeiro país a conceder esse direito, ainda em 1920).
A revolução de 1917 inspirou partidos socialistas e sindicatos dos trabalhadores de todo o mundo à realizarem atos em defesa dos direitos das mulheres. Com isso, por diversas vezes, foi discutida a necessidade de estabelecer uma data para que todos os países celebrassem o Dia Internacional das Mulheres. Porém, muitos socialistas resistiram acreditando que uma data diferente do Primeiro de Maio (Dia do Trabalhador) poderia criar uma cisão na classe operária e ser considerado uma concessão das mulheres socialistas ao feminismo burguês.
Isso, obviamente, não impediu que as comemorações fossem realizadas em datas diferentes em cada país. Foi então que, em 1921 (durante a 3ª Internacional), a Conferência das Mulheres Comunistas aprovou a oficialização da celebração do Dia Internacional Comunista das Mulheres em 8 de março, a partir de 1922 - bem anterior a 1957, onde 129 operárias estadunidenses de uma fábrica têxtil em Nova York morreram carbonizadas, vítimas de um incêndio intencional.
Pela proximidade geopolítica e dominação econômica e cultural imperialista exercida pelos Estados Unidos, a história que é mais disseminada e veiculada em terras tupiniquins é a de 1957 (certamente foi a que você viu na escola - a minha foi). O apagamento da materialidade histórica da origem revolucionária e diminuição da pauta da igualdade total de direitos para apenas melhores condições de trabalho revela o caráter burguês e as intenções de controle de narrativa.
As lutas deram lugar à mensagens vazias que enaltecem “garra”, “força”, “delicadeza”, “cuidado” e “beleza”; o apoio dos aliados deu lugar à flores, bombons e posts com fotos de parentes; as greves deram lugar a “Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, hoje estamos operando com equipe 100% feminina” (sic); a organização deu lugar ao “hoje eu cozinho e lavo a louça”; a revolução deu lugar ao “mas e o dia dos homens?”. Aparentemente a única coisa que se mantém é a fome, miséria e morte.
Hoje não é um dia de festa, não é dia de comemoração, não é dia de presentear, não é dia de “romantismo”, não é dia de “elogiar”, não é dia de fazer um post “enaltecendo” as mulheres da sua vida, não é dia de tomar a pauta ou o lugar de fala, não é dia de fazer o que você não faz o resto do ano.
Hoje é dia de luta, é dia de conscientização, é dia de lembrar tudo o que foi feito, é dia de pensar e agir para que um dia possamos, enfim, comemorar as conquistas alcançadas com o fim do machismo, patriarcado e falocentrismo.
Hoje, como todos os demais, é dia de ser aliado.
Gente, só lembrando aqui que se você sempre lavou a louça, cozinhou, arrumou a casa, etc… Isso não te faz um aliado ou não machista, só te faz um adulto funcional mesmo 😉